O SURGIMENTO DA FISIOTERAPIA NO BRASIL

 

Leia como a Fisioterapia surgiu no Brasil e seus avanços importantes como formação superior...

CONSEQÜÊNCIAS DA VINDA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL
O surgimento da Fisioterapia enquanto serviço no eixo Rio-São Paulo


Napoleão Bonaparte acabou por contribuir indiretamente com o desenvolvimento dos primeiros serviços organizados de Fisioterapia no Brasil, ao invadir Portugal e fazer com que a família real portuguesa desembarcasse no país em 1808. Com os monarcas, vieram os nobres e o que havia de recursos humanos de várias áreas para servir à elite portuguesa, de passagem por estas terras.
Dentre todas as contribuições do reinado, o surgimento das primeiras escolas de ensino médico destacam-se como a grandiosa obra dos portugueses no país, em particular os avanços obtidos na cidade do Rio de Janeiro. No século XIX, os recursos fisioterápicos faziam parte da terapêutica médica, e assim há registros da criação, no período compreendido entre 1879 e 1883, do serviço de eletricidade médica, e também do serviço de hidroterapia no Rio de Janeiro, existente até os dias de hoje, sob denominação de “Casa das Duchas”. O médico Arthur Silva, em 1884, participa intensa-mente da criação do primeiro serviço de Fisioterapia da América do Sul, organizado enquanto tal, mais precisamente no Hospital de Misericórdia do Rio de Janeiro.
São Paulo não vai ficar atrás e o médico Raphael Penteado de Barros é fundador do depar-tamento de eletricidade médica, no que hoje pode ser considerada a USP, nos idos de 1919. Dez anos após, em 1929, o médico Waldo Rollim de Moraes coloca em funcionamento o serviço de Fisioterapia do Instituto do Radium Arnaldo Vieira de Carvalho.
Na década de 30, Rio Janeiro e São Paulo possuíam serviços de Fisioterapia idealizados por médicos que tomavam para si a terapêutica de forma integral, experimentando recursos físicos que outros médicos, à época, não ousavam buscar para minimizar as seqüelas de seus pacientes. Esses médicos eram distintos dos outros por estarem preocupados não apenas com a estabilidade clínica de seu paciente, mas com sua recuperação física para que pudessem voltar a viver em sociedade, com iguais ou parecidas funções anteriores ao agravo da saúde.
Essa visão ampla de compromisso com o paciente, engajando-se num tratamento mais eficaz que promovesse sua reabilitação, uma vez que as incapacidades físicas por vezes excluíam-no socialmente, levou aqueles médicos a serem denominados médicos de reabilitação.
As faculdades de Medicina lhes eram úteis para embasar cientificamente sua prática médica, pelo acesso ao conhecimento adquirido pelos cientistas europeus sobre fisiologia humana e o emprego crescente dos recursos hídricos, elétricos e térmicos. Através de trabalhos e apresentações de teses, criou-se uma cultura de atenção diferenciada às deficiências não apenas físicas, mas também mentais e sensoriais. Esse foi um período valioso no sentido de tornar possível recuperar funções de seres humanos que, em período não muito distante, não tinham perspectiva de melhora das suas incapacidades.
2ª GUERRA MUNDIAL COMO FATOR DECISIVO DE DESENVOLVIMENTO

Para poder recuperar funções, é preciso formar quem saiba recuperá-las

A 2ª Guerra Mundial tem como novidade o envolvimento direto do Brasil, com o envio de pracinhas para a frente de combate dos Aliados, diferentemente da 1ª Guerra. Os reflexos dessa participação estão no desenvolvimento da Fisioterapia enquanto prática recuperadora das seqüelas físicas de guerra, com a modernização dos serviços de Fisioterapia no Rio de Janeiro e em São Pau-lo e criação de novos em outras capitais do país.
A modernização dos serviços, com o conseqüente aumento da oferta e da procura, vai levar a que os chamados médicos de reabilitação se preocupassem com a resolutividade dos tratamentos. Com este objetivo, empenharam-se para que o ensino da Fisioterapia como recurso terapêutico, então restrito aos bancos escolares das faculdades médicas nos campos teórico e prático, deveria ser difundido entre os paramédicos, que eram os praticantes da arte indicada pelos doutores de então.
Assim, em 1951 é realizado em São Paulo, na USP, o primeiro curso no Brasil para a formação de técnicos em Fisioterapia, com duração de um ano em período integral, acessível a alunos com 2º grau completo e ministrado por médicos. Homenageando o professor de física biológica da Faculdade de Medicina, que criou um serviço de eletrorradiologia na referida cadeira em 1919, o curso paramédico levou o nome de Raphael de Barros, formando os primeiros fisioterapistas (de-nominação da época).
Curiosamente, os cursos de Fisioterapia iniciam-se em São Paulo antes do Rio, apesar dos primeiros serviços terem se desenvolvido na antiga capital federal. Só em 1952 é que a cátedra de Fisioterapia é retomada na Faculdade de Ciências Médicas do RJ e é criada, em 1954, a Associação Beneficente de Reabilitação (ABBR), que 2 anos depois ministra o curso de técnico em reabilita-ção.
Entidades como a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), Lar Escola São Francisco e as Casas da Esperança surgem absorvendo esse novo conceito de assistência diferenciada, incorporando em seu meio os paramédicos dos novos cursos. As primeiras turmas formam os que estarão nos consultórios e clínicas auxiliando os médicos, que prescreviam os exercícios com e sem carga, as massagens, o uso do calor, da luz, dos banhos e dos rudimentares recursos eletroterápicos disponíveis para a recuperação do paciente.
Afinal, o que representou a criação de um curso que formava técnicos no sentido mais restrito? Diferentemente dos países da Europa (como na França, que em 1927 já possuía faculdade de Fisioterapia), no Brasil o ensino de Fisioterapia restringia-se a aprender a ligar e desligar aparelhos, reproduzir mecanicamente determinadas técnicas de massagem e exercícios, tudo sob prescrição. Os primeiros profissionais eram auxiliares do médico, seus ajudantes de ordem; não possuíam os conhecimentos necessários para o diagnóstico, o funcionamento normal e patológico avaliação do corpo humano, nem os mecanismos de lesão e conduta terapêutica.
É curioso observar que, há pouco mais de 40 anos atrás, os primeiros profissionais não passavam de meros aplicadores de aparelhos, só dominavam a arte, não a ciência, e uma arte rudimentar, há anos-luz do que se pensa e se faz atualmente na forma de procedimentos fisioterapêuticos. Podemos concluir que, para chegar ao status que chegou nos dias de hoje, a Fisioterapia teve que escalar muitos degraus.
A preocupação crescente com a qualidade do atendimento oferecido fez com que esses cur-sos paramédicos se ampliassem. Em 1959, com a fundação do INAR (Instituto Nacional de Reabilitação), denominação influenciada pelo grupo norte-americano que veio a São Paulo, organizado pela seção latina da Organização Mundial de Saúde (OMS), o curso da USP foi ampliado para o período de 2 anos, embora não fosse ainda considerado de nível superior. Quando o INAR transmuta-se para Instituto de Reabilitação (IR), em 1964, criam-se os cursos superiores de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional.
No Rio de Janeiro, à mesma época, a ABBR, mais tarde SUAM, teria cumprido papel semelhante ao da USP em São Paulo.
A PRINCÍPIO, CURSO TECNICISTA DE NÍVEL MÉDIO, DEPOIS SUPERIOR
O Parecer 388/63 e a Portaria Ministerial 511/64
É tão claro o papel secundário da Fisioterapia nos idos de 50 e 60, entendida como modalidade integrante da terapêutica médica, que o CFE - Conselho Federal de Educação emite no Parecer 388/63 a primeira definição oficial da ocupação do fisioterapeuta: é definido como auxiliar médico; explicita que lhe compete a realização apenas de tarefas de caráter terapêutico (ou seja, incapaz de avaliar o paciente); e que a execução das mesmas tarefas deve ser precedida de uma prescrição médica - o exercício profissional é desempenhado sob a orientação e responsabilidade do médico.
Referendando a concepção de médico de reabilitação, sendo submetido a este, o fisioterapeuta faria, junto com outros profissionais de saúde, membro de uma equipe de reabilitação, por-tanto não competindo ao fisioterapeuta o diagnóstico da doença ou da deficiência a ser corrigida, mas ao cumprimento das tarefas ordenadas pelos médicos. Conforme um extrato do Parecer, nas considerações de uma comissão de peritos nomeados pelo Diretor de Ensino Superior do MEC em 1962:
“1 - (…) A referida Comissão insiste na caracterização desses profissionais como auxiliares médicos que desempenham tarefas de caráter terapêutico sob a orientação e responsabilidade do médico. A este cabe dirigir, chefiar e liderar a equipe de reabilitação, dentro da qual são elementos básicos: o médico, o assistente social, o psicólogo, o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional.
2 - Não compete aos dois últimos o diagnóstico da doença ou da deficiência a ser corrigida. Cabe-lhes executar, com perfeição, aquelas técnicas, aprendizagens e exercícios recomendados pelo médico, que conduzem à cura ou à recuperação dos parcialmente inválidos para a vida social. Daí haver a Comissão preferido que os novos profissionais paramédicos se chamassem Técnicos em Fisioterapia e Terapia Ocupacional, para marcar-lhes bem a competência e as atribuições.  O que se pretende é formar profissionais de nível superior, tal como acontece a enfermeiros, obstetrizes e nutricionistas. Diante disso, não há como evitar os nomes de Técnicos em Fisioterapia e Técnicos em Terapia Ocupacional”.
Não nos parece que tenham sido felizes os peritos do MEC, pois não conseguiram emplacar uma denominação tecnicista a profissionais de nível superior. Porém, inspirado em tal Parecer, é publicada uma Portaria Ministerial de n.º 511/64 no ano seguinte, que estabelece o currículo mínimo do curso superior de Fisioterapia numa versão tecnicista:
“Art. 1º - O currículo mínimo dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional para a formação de Técnico em Fisioterapia e de Técnico em Terapia Ocupacional compreende matérias comuns e matérias específicas, como se segue:
a) Matérias comuns: Fundamentos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Ética e História da Reabilitação, Administração Aplicada.
b) Matérias específicas do curso de Fisioterapia: Fisioterapia Geral, Fisioterapia Aplicada.(…)
Art. 2º - A duração dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional será de 3 anos letivos".
É evidente que o currículo mínimo da Portaria não permitia capacitar um acadêmico para a elaboração de um diagnóstico fisioterapêutico, compreendido como avaliação físico-funcional; e que, para tanto, neste processo fossem analisados e estudados os desvios físico-funcionais intercorrentes na sua estrutura e funcionamento, com a finalidade de detectar e parametrizar alterações apresentadas, considerados os desvios dos graus de normalidade; e para o qual fosse necessária a prescrição das técnicas próprias da Fisioterapia, baseada na constatação da avaliação físico-funcional, qualificando-as e quantificando-as. Nada disso: o que se pretendia, simplesmente, era formar um profissional tutelado.
Essa tutela tem nome, é a visão médico-centrada, que diminui o brilho da atuação de um profissional tão importante como o médico, a partir do momento em que lhe sobrecarrega de funções que ele não tem condições nem de exercê-las nem de supervisioná-las, na opinião do autor, com a qualidade que o usuário dos serviços necessita (não só em Fisioterapia, mas em Terapia Ocupacional e em Fonoaudiologia) e consegue obtê-la com os bons profissionais das respectivas áreas.

Fonte: Dr. Rivaldo Novaes

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